Resenha originalmente publicada aqui:
Os primeiros episódios do anime começam com esta breve introdução, livremente traduzida por mim. Gintama (que pode ser traduzido como alma de prata) é a adaptação do mangá homônimo serializado shounen JUMP e escrito por Hideaki Sorachi.
Imagine que o Japão, ao invés de ser forçado a abrir suas fronteiras pelo ocidente, tenha sido atacado por alienígenas (!!!) chamados pelos nativos de Amanto. Os samurais se opõem aos invasores, mas no fim são derrotados e dominados. Neste cenário acompanhamos Gintoki (chamado de Gin-san ou Gin-chan pelos amigos), Shinpachi e Kagura enquanto eles trabalham como Yorozuya (um tipo de biscate, pessoa que faz bicos) para arrumar dinheiro para pagar o aluguel na cidade de Edo (que na realidade mudou seu nome para Tóquio após a queda do Xogunato).
Devido à influência dos Amanto a tecnologia deu um grande salto e a Edo da ambientação do anime é uma mistura da Tóquio atual e da antiga Edo. Bairros com ruas sem pavimentação e prédios no estilo japonês clássico convivem lado a lado com rodovias, arranha-céus e o espaçoporto de Edo, o maior prédio da cidade. Muitas personagens e organizações no anime são baseadas em personagens e organizações reais daquela época, com destaques para a facção Joui, que na história do Japão lutou para derrubar o Xogunato, e o Shinsengumi, grupo de samurais leais ao Xogum. No anime os Joui lutam contra a influência dos invasores Amanto e o Xogunato apoiado por eles, enquanto o Shisengumi atua como uma polícia especial do governo.
Gintama é um anime primariamente de comédia, que tira sarro tanto com a sociedade medieval japonesa quanto com a contemporânea. Você verá piadas com o modo de vida dos samurais junto a piadas sobre o modo de vida dos otakus, por exemplo. É fácil também ver o paralelo feito entre os Amanto e os ocidentais do mundo real, que forçaram a entrada no Japão e desencadearam um rápido processo de modernização do país outrora feudal, mudando costumes e atitudes, fato que também é usado como fonte para piadas. Gintama também é cheio de humor físico, trocadilhos, personagens fazendo piadas com as outras e etc. O anime também é muito forte nas paródias e referências à cultura pop japonesa, especialmente aos mangás da JUMP e suas adaptações. Inclusive faz piadas com comediantes, cantores, atores e programas de TV, o que é difícil de pegar, sendo essencial assistir o anime com legendas que identifiquem este tipo de piada. O anime também é recheado de piadas no estilo tradicional japonês chamado Manzai, no qual existe um cara idiota (chamado de bokke) que fala coisas sem sentido ou burrices e um cara sério (o tsukkomi) que reage apontando os absurdos do que o idiota faz, muitas vezes de forma exagerada, não sendo incomum que bata no idiota. Normalmente o Shipachi é o tsukkomi (sem bater em ninguém porque senão apanha) e o Gin-chan, que fala e faz as coisas mais irresponsáveis, e a Kagura, que é uma torneirinha de asneiras digna de competir com a Emília, são os bokkes. Mas o Gin-chan e o Shinpachi muitas vezes fazem o outro papel. Por fim, Gintama é cheio de piadas meta-linguísticas e que quebram a ”quarta parede“, ou seja, piadas nas quais as personagens conversam com o espectador ou têm consciência de que estão em um anime, fazendo piadas sobre gêneros, zoando os produtores e a empresa e etc. Inclusive, a cada 25 episódios existe um especial no qual eles tentam melhorar o anime ou comentam sobre a possibilidade do mesmo ser cancelado... O anime tem humor para todos os gostos, exceto para quem procura piadas que apelam para o lado da sensualidade, já que não há fan-service, apesar de existirem piadas sobre sexo.
O anime, após os primeiros episódios nos quais apresenta o elenco principal, é composto por um grande número de histórias curtas de comédia, que costumam durar meio ou um episódio, nas quais nada demais acontece e a trama não anda, e por episódios e pequenos arcos, que duram mais ou menos entre 2 e 6 episódios, nos quais, normalmente, a trama ou as personagens são desenvolvidas. Esses arcos que avançam a trama costumam ser mais sérios e ter cenas de ação e drama. Inclusive acontece de o anime te jogar na cara um arco extremamente triste logo após uma história engraçada e descompromissada e depois voltar ao tom de comédia. Isso é interessante porque um anime só de comédias de situação não se sustenta muito tempo, mesmo que as situações sejam as mais variadas, e Gintama tem 201 episódios. Por outro lado, Gintama não é um bom anime para se fazer maratonas, já que uma sequência grande de episódios de pura comédia pode ser cansativa, e o espectador pode acabar esperando um bom tempo por um arco que não desenvolva nada do enredo ou personagens principais (existem alguns assim) e/ou não seja dos melhores.
O anime é competente na parte visual. O traço, do qual gosto, permanece constante, sem as alterações vistas em outros animes, e a animação cumpre o seu papel. Ela é competente nas cenas cotidianas e, apesar da economiza nas cenas de ação menores e mais corriqueiras, pois se trata de um anime longo e que não gera tantos produtos licenciados, sendo difícil manter a qualidade máxima o tempo todo, as cenas de ação importantes são bem animadas.
A parte sonora do anime é competente, com efeitos bem acabados e com uma trilha sonora bem legal, cujo ritmo predominante é o rock, apesar de ser eclética e passar por gêneros como o clássico e o blues. Ela dá o tom tanto para as cenas de comédia quanto para as de ação e drama. O grande destaque é a música chamada Banjya (ou Yorozuya) Blues, que é excepcional. As OPs e EDs são muito boas, sendo também dominadas pelo rock, alguns mais leves e descontraídos e outros mais pesados.
Depois de todo este blábláblá, vamos ao mais importante do anime, que são as personagens. É importante destacar que, em Gintama, praticamente todas as personagens têm dois lados, um cômico e um sério, e que alternam entre eles de acordo com as situações. Normalmente as personagens estão descontraídas e mostrando toda sua excentricidade, mas na hora da seriedade ou de momentos dramáticos o anime mostra a profundidade das mesmas. Outro fato digno de nota é que boa parte das personagens são baseadas em personagens históricas do período.
Apresentarei primeiro o trio principal. Gintoki Sakata é um homem descrito por Shinpachi como sendo desordeiro demais para ser um samurai, mas digno demais para ser um malandro comum. Ele é um cara preguiçoso, que é viciado em doces e tem o cabelo naturalmente cacheado, o que rende várias piadas no anime. No passado foi um dos mais proeminentes guerreiros da facção Joui na luta contra a invasão dos Amanto, sendo conhecido como o Demônio Branco, mas depois da derrota dos samurais ele decidiu viver em paz nesta nova sociedade, apesar de não respeitar a autoridade dos Amanto. Ele carrega uma espada de madeira com o nome e é viciado na Shounen JUMP, apesar de achar que já está velho demais para ler a revista. Apesar de parecer um inútil, Gintoki tem um grande senso de justiça e faz de tudo para proteger as pessoas ao redor dele. Eu gosto e descrevê-lo como uma junção do Kenshin de Samurai X (Rurouni Kenshin) e Seu Madruga (do Chaves). Ele anda por aí em uma scooter.
Shinpachi Shimura é o jovem filho de um falecido samurai que, junto com sua irmã Otae, busca manter vivo o dojo do seu pai. Shinpachi admira o espírito do Gin-san e começa a trabalhar com ele fazendo bicos para aprender mais sobre como ser um samurai. Ele é sério e vive criticando o jeito preguiçoso do Gin-san. Porém, por trás da sua fachada de jovem sério ele esconde um segredo: ele é o capitão da guarda imperial da Otsu, nome do fã-clube de uma jovem cantora de música pop pela qual ele é obcecado. Além disso, ele é sempre zoado pelos outros por ser considerado sem graça.
Já a Kagura, apesar de parecer uma menininha humana bonitinha e indefesa, é, na verdade, uma Amanto do clã Yato, uma dos tipos mais fortes e violentos de Amanto. Ela veio para a terra juntar dinheiro e para tentar fugir da sua natureza violenta, que ela despreza e após alguns acontecimentos força o Gin-chan (que é como ela chama, de forma carinhosa, o Gintoki) a contratá-la para o grupo. Além de violenta, Kagura é mal comportada e porquinha, além de falar muita asneira, levando inclusive uns cascudos do Gin-chan, mas de vez em quando mostra ser uma garotinha normal. Ela adora o Gin-chan e inclusive costuma copiar o que ele faz, especialmente as coisas erradas. Kagura dorme em um armário na sala da casa do Gin-chan, que funciona como escritório do negócio dele. Ela tem um cachorro gigante (grande o suficiente para ela montar nele) que achou na rua chamado Sadaharu. Ele tem o ”mau costume“ de morder as pessoas, e dado seu tamanho, costuma abocanhar membros inteiros... Kagura é muito apegada a ele, apesar de às vezes se desentenderem e saírem na porrada.
O elenco de coadjuvantes é enorme, então tentarei apresentar brevemente pelo menos os principais. Inclusive, recomendo ao leitor que pule o especial duplo composto pelos episódios 1 e 2, já que o mesmo é original para TV e apresenta logo de início muitas personagens, o que pode estragar as surpresas. Após o episódio 22 todas as personagens presentes no especial já apareceram, então o leitor pode voltar e assisti-lo.
Começemos por Shimura Tae, chamada de Otae, pois no Japão antigo era costume adicionar um ”O“ no início do nome das mulheres. Ela é a irmã mais velha de Shinpachi e mora com o mesmo no antigo dojo de seu pai. Outra personagem importante é a Otose-san. Ela é uma velha dona de um bar no distrito Kabuki (o distrito da diversão noturna, onde existem bares, hotess clubs, cassinos e etc.). A casa/escritório que o Gintoki aluga é de propriedade dela e se localiza em cima do bar. Se o Gintoki tem um jeitinho de seu Madruga, a Otose-san é uma mistura de Bruxa do 71... digo Dona Clotilde e Seu Barriga inclusive na parte de cobrar o aluguel atrasado... Temos também Catherine, Amanto de passado duvidoso cuja aparência é de uma nekomimi (aquelas meninas com orelha de gato) de meia idade e que ajuda a Otose-san no bar e na árdua tarefa de recolher o aluguel do protagonista.
Ainda temos o príncipe Hata, Amanto que adora animais alienígenas exóticos, para desespero do seu mordomo Jii, Hazegawa Taizo, cuja marca regitrada são seus óculos escuros é um desempregado que foi abandonado por sua esposa e é o companheiro de farra do Gintoki enquanto não arranja outro emprego, sendo apelidado por Kagura de Madao (maru dame ojiisan, algo como tiozão inútil), Sarutobi Ayame, conhecida Sa-chan, é uma ninja míope que nutre uma estranha ”obsessão“ por Gintoki, e Terakado Tsu, ou Otsu-chan, jovem cantora da qual Shinpachi é o maior fã.
Gintama possui muitas personagens baseadas em personagens históricas e fictícias do Japão. O próprio Gintoki é baseado em Sakata no Kintoki (gin é prata e kin é ouro), personagem histórico/lendário do Japão e a Sa-chan no também histórico/lendário Sarutobi Sasuke. Um deles é Katsura Kotaro (baseado em Katsura Kogoro), líder da facção Joui e antigo companheiro de Gintoki, que possui um bichinho de estimação chamado Elizabeth, que é uma mistura de fantasma do Pacman com um pato (não acaba por aí, mas o resto é surpresa) e que não fala, usando plaquinhas para escrever e se expressar (que nem o pai do Ranma na forma de Panda). Outro ex-colega de Gintoki é Sakamoto Tatsuma (baseado em Sakamoto Ryoma), que após a guerra se tornou o dono de uma frota de navios espaciais de comércio. O último dos ex-companheiros de Gintoki é Takasugi Shinsuke (baseado em Takasugi Shinsaku), líder de outra facção rebelde, o Kiheitai, que é um grupo muito mais violento que a facção Joui.
Para terminar (finalmente!) há os membros do Shinsengumi, cujo líder é Kondo Isao (baseado em Kondo Isami). O vice-comandante do grupo é Hijikata Toshiro (baseado Hijikata Toshizo), conhecido como o vice-comandante demoníaco. Outros membros de destaque são Okita Sougo (baseado em Okita Souji), que é o mais talentoso espadachim do grupo e temos Yamazaki Sagaru (baseado em Yamazaki Susumu) responsável pelo serviço de inteligência do Shinsengumi.
Eu escrevo sempre que é em animes de comédia que os dubladores tem a oportunidade de realmente mostrar seu talento e brilhar, e Gintama é um ótimo exemplo disso, pois a dublagem é excepcional, contando com um elenco bem experiente. Um exemplo disso são o episódio onde todos ficam invisíveis e o no qual os desenhistas por algum motivo desenham tudo mal e tudo depende da interpretação dos dubladores, que não decepciona e te demonstra direitinho como as personagens se sentem e reagem. Outro bom exemplo é o episódio no qual o Gintoki passa uns 5 minutos paralisado na cama sem conseguir falar e se levantar e o dublador dá um show de interpretação. Fora os gritos histéricos, trocadilhos, piadas rápidas e várias outras coisas. Gintama não seria o mesmo sem a grande atuação dos seus dubladores.
Gintama é um anime baseado em um mangá shounen, mas provavelmente é voltado para a parte mais velha do público alvo e/ou para os mais velhos que acompanham a revista, não sendo infantil e nem tendo conteúdo restrito adultos. O anime é uma comédia competente, mas como ninguém agüenta muitos episódios seguidos sem um desenvolvimento, o anime sabe aproveitar suas personagens e cria momentos de drama e aventura para balancear a fórmula. O único grande porém é a quantidade de piadas que só quem acompanha muito a cultura pop japonesa irá entender (e algumas que só japonês mesmo vai pegar). Mesmo assim é um anime recomendado a todos.
Avaliação: imperdível
E o mangá?
Bom, eu comecei a ler o mangá de Gintama assim que a primeira temporada do anime acabou. Ao assistir a segunda temporada, vi que o anime adapta muito fielmente o mangá.
A arte do Sorachi é boa e a composição de quadros funciona, apesar de não ser destaque. O ponto forte de Gintama é mesmo o texto. Por isso acho que vale mais a pena assistir o anime, já que além de ele adaptar tudo muito bem, o pessoal da Sunrise faz um ótimo trabalho e insere várias piadas e brincadeiras que não existem no original. Sem falar que ver uma história animada e dublada é sempre melhor.
O mangá é muito bom e eu só posso avaliá-lo com a mesma menção do anime, mas só recomendo a leitora àqueles que realmente preferirem ler a assistir.
Avaliação: imperdível
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